sábado, 26 de novembro de 2011

Luiz e Luiza

A estrada que levava à fazenda era bucólica, ladeada de arbustos floridos e oferecia aos viajantes um espetáculo de cores e aromas. A beleza daquele trecho do mundo era tão especial, que mesmo as carruagens aparelhadas com seis bons cavalos diminuiam a sua marcha.

Luiz, um negro que vinha fugindo já há dois meses, caminhava pela estrada tranquilo admirando a beleza que o cercava. Avistou uma casa pequena, sentiu além do aroma das flores o cheiro convidativo do ensopado que estava sendo preparado para o almoço. Não resistiu, resolveu arriscar, a fome era avassaladora, pensou: "A negra velha naquela cozinha há de me ajudar. Ela conhece a minha dor".

Luiz sai da estrada e se direciona à pequena tapera de odor atrativo, vai direto para parte detrás da casa - não queria encontrar com a Sinhá. Ao adentrar a cozinha tem uma surpresa, não encontra uma negra velha à frente do fogão de lenha e sim uma linda e branca jovem.

Luiza era filha única de um pequeno proprietário de terras. Seu pai, viúvo há muitos anos, era o dono de um pequeno sítio sem escravos. Todo o trabalho era feito pelos dois. Luiza devia ter 16 anos, sua pele branca contrastava com o negro dos seus cabelos, lindos olhos amendoados de cílios longos e coloração esverdeada como a esmeralda chamavam a atenção em seu rosto de traços suaves. Ao ver Luiz, a menina-moça se assustou e quase gritou. As mãos de Luiz a impediram.

Luiz ficou paralisado com as mãos sobre os lábios e olhos fixos nos dela. Luiz afogava-se naquele lago de águas esverdeadas e não lutou contra a força que o prendia. Luiza ragiu e Luiz voltou a si. Prometeu soltá-la se não gritasse, ela concordou.

Luiza vivia a maior parte do tempo só. Seu pai trabalhava o dia inteiro. Faziam as refeições juntos, mas não conversavam. Nenhum homem tinha se aproximado tanto do corpo dela. Ela se sentiu zonza com o calor. Ela não conhecia essa sensação, mas gostou.

Luiz há muito tempo não chegava perto de uma mulher e aquela tinha o perfume das rosas da estrada, olhos aonde se podia afogar, o corpo quente e a voz suave. Luiz a beijou.

Luiz e Luiza se entrelaçaram num longo beijo que foi sucedido por outros. Seus corpos se uniram como se Deus os tivesse feito para o amor e esse somente pudesse ser realizado por esses parceiros. Cairam exaustos lado a lado e adormeceram.

Sérgio ficou viúvo muito jovem. Sua esposa faleceu o deixando com uma criança de um pouco mais de um ano. Desde então, se dedicava a criação da filha, aos cuidados com o sítio. As vezes ia à cidade para realizar compras, fazer trocas e desafogar as mágoas na casa das damas. Mas, nenhuma outra mulher foi escolhida como a senhora de sua vida.

Sergio, pai de Luiza, entra na tapera e surpreende os amantes dormindo no chão da cozinha. Parecia que o mundo desabava sob seus pés. Numa fração de segundos retornou ao dia de sua viuvez. Reviu todos os seus dias, todos os sacrifícios para manter o sítio e criar uma filha. Percebeu analisando a cena que a filha não fora forçada. Percebeu que a luxúria tomou conta. Pensou em sua honra, em sua vida e no escândalo. O que tornou seus olhos vermelhos foi pensar em sua honra.

Sérgio pegou a espingarda de caça e atirou na cabeça dos amantes enquanto dormiam. Sérgio atirou em sua própria cabeça.

...

Pelo centro da cidade caminha um rapaz alto e forte. Seu cotidiano frenético é tomado de muitas decisões. Ele caminha pelas ruas cheias de gente apressada falando no seu celular. Sem perceber caminhou para fora da balbúrdia. Olhou em volta e não reconheceu o lugar. Parou de falar ao celular. Sentiu o odor do ensopado vindo de uma taberna convidativa. Percebeu que tinha fome e que não comia tranquilamente há muito tempo. Adentrou a taberna.

A taberna era um restaurante hoje em pleno século XXI, mas no século XIX tinha sido apenas uma tapera com uma triste história de amor assassinado. Servia pratos históricos e a decoração se mantinha a mesma. Ao entrar se via a cozinha.

O rapaz ao entrar se sente transportado no tempo. Vê a cozinheira e seu coração acelera. Tomado de uma emoção completamente nova aproxima-se da cozinheira. Posso lhe falar? Meu nome é Luiz. Ela se vira e responde: Prazer, eu sou Luiza.

Autor:
Simone da Silva Figueiredo
(escrito em 18 e 19 de novembro de 2011)