sexta-feira, 30 de março de 2012

Diário da Enfermeira Matilda


Personagens:
Gustavo - menino de sete anos, quieto, apático e calado.
Sr. Astolfo - velho de 99 anos, rabugento - reclama de dores o tempo todo, tem artrose, labirintite e usa bolsa de colostomia.
Mariana - mulher de 42 anos, nervosa, em TPM constante, sem vaidade e hipocondríaca.
Sr. Oswaldo - homem de 62 anos, metódico, arruma tudo o tempo todo e não gosta de sair de casa.
Gisele - mulher de 36 anos, bonita, artística, talentosa e vive à espera do noivo que não chega.

Matilda - Enfermeira de 45 anos, cuida dos pacientes: Gustavo, Sr. Astolfo, Mariana, Sr. Oswaldo e Gisele. Está nessa atividade há 20 anos, não se casou, não tem filhos e não vê a família.

Claudia - menina de 18 anos, revoltada com a família por diversas imposições, foge de casa. Os pais, sem saber o que fazer, a internaram.


Acontecimentos:
Cinco horas da manhã de mais um honrado dia de Nosso Senhor. Obrigada, Pai, por eu ter um trabalho e uma casa para morar. Pronto! Levantar-me-ei!

Sei que estou nessa rotina há 20 anos. Sei que não vejo a minha mãe há muito tempo. Sei que, por causa desse trabalho, não tive a oportunidade de me casar. Mas, agradeço, Senhor, por estar viva, ter uma casa - quase não fico nela - e um emprego.

Sete horas. Graças a Deus, consegui chegar na hora do início do meu plantão na Clínica Coração Feliz. Não sei se os corações estão felizes. Não sei se o meu coração está feliz.

Enfermeira: _ Bom dia, Gustavo! Vejo que conseguiu pegar o carrinho que caiu atrás da estante. Interessante como você gosta desse brinquedo. No seu aniversário, vou lhe dar um caminhão vermelho dos bombeiros. Você quer? (Silêncio) Como vou saber?

Enfermeira: _ Bom dia, Sr. Astolfo! Sua bolsa está cheia. Já venho trocá-lo. Volto logo! Não levo nem meia-hora. Calma, Sr. Astolfo! Eu sempre cumpro com o que falo, e o senhor sempre reclama.

Enfermeira: _ Bom dia, Mariana! Quer que eu penteie seus cabelos hoje? Não! Todos os dias, você me nega, mas não desisto de você. Já sei, sua cabeça dói e alguém mexeu nas suas coisas. Falarei novamente com os outros.

Enfermeira:_  Bom dia, Sr. Oswaldo! Tudo certo hoje?  Pelo que pude notar o senhor está com a camisa amarela própria das quintas-feiras. Ah! Deixou-a passada para ser usada hoje. Então, vamos dar uma volta no jardim? Não! Me negou de novo. Qualquer dia, eu consigo.

Enfermeira:_  Bom dia, Gisele! Que passo lindo o seu! É de qual ballet? Copélia. Eu devia ter imaginado. Que tal irmos ao Municipal no sábado? Não pode! De novo! Já sei, seu noivo pode vir a chegar. Vamos na próxima oportunidade.

Enfermeira: _ Bom dia, menina! Quem é você?
_ Meu nome é Claudia.
Enfermeira: _ Prazer, sou a enfermeira Matilda. Deixe-me examinar a sua ficha e verificar os motivos da internação. Esquizofrenia, tentativa de suicídio, drogas. Essa é você?
_ Não. Meus pais me colocaram aqui devido eu ter tentado fugir de casa. Quero a vida. Quero ser feliz. Quero viajar, estudar. Mas eles só permitem que eu siga ordens.
Enfermeira: _ Você tem certeza disso? Seus pais te amam? Pais sempre amam os filhos.
_ Eu sei. Mas, é um amor sufocante. Eu quero ser livre. Me ajuda.
Enfermeira: _ Como?
_ Me deixa sair.

Nisso, Gustavo, Sr. Astolfo, Mariana, Sr. Oswaldo e Gisele, todos olharam para a enfermeira Matilda. E Matilda também se assustou.

Enfermeira: _ Eu não posso!
Todos: _ É muito perigoso.

Enfermeira:_ Eu não devo!
Todos: _ Você pode ser assaltada.

Enfermeira:_ Eu posso ser demitida!
Todos: _ Você pode se machucar.

Claudia: _ Chega! Eu não me importo com o que possa me acontecer. Eu quero viver.

Nesse momento, foi como se um nó fosse desatado das mãos e pés da enfermeira Matilda. Pegou a menina Claudia pela mão e saiu da clínica onde os corações não são felizes.



Escrito por Simone da Silva Figueiredo
Livremente inspirado numa carta de Claudia Mazzolino
(08/03/2012)

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