quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Plutão

A morte
O casal Mitos, o empresário Cronos, de 65 anos, e a esposa Réia, de 62 anos, foi morto na noite de sexta-feira num assalto à empresa de transportes, localizada numa das saídas da cidade. As informações da Polícia Civil são de que três homens armados renderam o vigia da sede da empresa que estava de plantão. Os assaltantes amarraram o vigia e o prenderam no banheiro da guarita, dirigiram-se para o interior da empresa em busca do dinheiro guardado no cofre. Há indícios de troca de tiros, mas as únicas vítimas fatais foram o casal. O chefe da segurança particular do casal se feriu e recebe atendimento no hospital, mas não corre risco de morte.
O casal estava trabalhando na sede administrativa. Por volta das 20 horas, ouviram tiros no corredor. Cronos abriu a porta para averiguar o ocorrido e foi alvejado com três tiros, sendo dois no peito e um na cabeça. A esposa, Réia, tentou socorrê-lo, mas os bandidos invadiram o escritório para chegarem ao cofre, e, ao encontrarem Réia, os bandidos atiraram nela também - dois tiros na cabeça. Essa foi a versão dada pelo delegado Hecate, da Polícia Civil, da delegacia próxima ao incidente, após a apuração dos fatos junto ao vigia e os seguranças do casal. Os assaltantes fugiram levando alguns dólares do cofre, celulares e notebooks.
O casal não teve a chance de ser socorrido. Quando a ambulância chegou ao local, os dois estavam mortos. Os corpos foram levados para o Instituto Médico Legal e devem ser liberados para o enterro no domingo. Segundo a assessoria de imprensa da empresa, o casal deverá ser velado em sua residência, na companhia de familiares e amigos e, depois, será enterrado no cemitério particular da família.

Cronos fora criado pelo pai, e sua irmã Réia, pela mãe. Conheceram-se quando Cronos tinha 30 anos, e Réia, 25 anos. Apaixonaram-se e casaram-se, sem se importar com os ditames sociais e o incesto. Tiveram seis filhos, as mulheres Deméter, Hera e Héstia, e os homens Plutão, Poseidon e Zeus.
Cronos tinha um receio de que um de seus meninos lhe usurparia a riqueza, fundado na crença de que o crime do incesto lhe seria cobrado em algum momento. Por causa disso, assim que completavam cinco anos, ele os enviava para um colégio interno na Suíça. Assim, teria distanciamento suficiente para julgar do que eles seriam capazes. Réia conseguiu esconder o caçula – Zeus até que ele tivesse quatorze anos. Zeus foi criado perto da família, das irmãs e do pai. Cronos se apaixonou pela inteligência do rapaz e, quando soube que fora enganado, não sentiu raiva da esposa, na verdade, se sentiu agradecido.
Os outros dois rapazes, Plutão e Poseidon, retornaram ao seio familiar quando completaram vinte e um anos. E, Cronos – o pai, os colocou à frente dos negócios da família. A empresa de transporte prosperou com a injeção de ânimo, se estendendo do ramo rodoviário para o aeroviário, marítimo e no transporte em subterrâneos – passageiros (metrô) e de óleos combustíveis (oleodutos). As mulheres foram criadas junto aos pais, e a elas coube gerenciar as atividades sociais familiares.
Hera se dedicou a obras assistenciais voltadas a mães solteiras. Procurando criar formas de que essas mulheres ingressassem no mercado de trabalho, se profissionalizassem, criassem seus filhos e se tornassem mulheres atuantes na sociedade.
Héstia se dedicou às ações humanitárias, viajando pelo mundo, se interessando principalmente na conservação das famílias, criando condição para as famílias se manterem unidas.
Deméter se dedicou às ações ambientais e ao estudo do desenvolvimento de novas sementes transgênicas e a melhoria das condições da agricultura.
Essas ações empreendidas pelo lado feminino da família foram incentivadas pela mãe Réia. Cronos, a princípio, foi contra, mas vendo os resultados - o retorno de mídia, marketing e a tradução na elevação da margem de lucro das suas empresas - acabou por apoiar as ações.
No entanto, os anos de afastamento dos filhos, Plutão e Poseidon, pesavam demais na constituição de um sentimento familiar. Eles participavam das reuniões para resolução das questões das empresas, mas não compareciam aos eventos sociais e familiares com os seus pais. Praticamente eram estranhos nesta família. Sentiam-se em família apenas na presença um do outro.
Plutão, o filho mais velho, tinha um temperamento forte e taciturno. Não era de muita conversa nem era flexível com os erros alheios. Os anos que passou afastado do convívio familiar fizeram com que criasse conceitos próprios de honestidade – que feriam o conceito social e os de qualquer pessoa. Plutão conduzia a parte da empresa que lhe cabia e tentava expandi-la e fazer dela uma fachada para seus negócios de tráfico de obras de arte.
Poseidon, o filho do meio, tinha o mesmo tipo de temperamento, mas não o mesmo conceito de honestidade. Não interessava a ele nada que não fosse honesto. Essa era a única área de divergência entre ele e Plutão. Na direção dos negócios familiares, era tão brilhante quanto Plutão e ambos se apoiavam nas tentativas de expansão empresarial.
A notícia da morte de Cronos e Réia não abala emocionalmente Plutão e Poseidon. As mulheres sentem a morte dos pais, mas reagem com tranquilidade. Apenas Zeus aparenta tranquilidade e um pouco de alegria. Mesmo com esses sentimentos controversos, todos comparecem ao velório e ao enterro dos pais.
Neste momento, a família toma conhecimento da união de Zeus e Deméter. Casaram-se e mantiveram o relacionamento em segredo, pois o pai não queria a repetição do fato na família e ameaçava a todos com a deserção. Todos sabiam que Deméter tinha uma filha, Perséfone, de 14 anos, mas ninguém sabia quem era o pai. A certeza se instaura ao vê-los juntos, pois a menina é muito parecida com o pai – Zeus. Compreende-se a alegria com a saída de Cronos da vida familiar por parte de Zeus: representou a liberdade de viver seu casamento.
Plutão e Poseidon percebem o que todos tomavam ciência: Zeus desejava a morte do pai. Ninguém percebeu que eles também tinham o mesmo desejo. Outra situação muito importante que ocorre no velório e no enterro dos pais é que Plutão conhece Perséfone. Ao vê-la, se encanta pela beleza da sobrinha.
Um mês depois do trágico assassinato, a polícia entrega ao Ministério Público o relatório conclusivo das investigações. O crime foi de latrocínio. Os três homens, ainda foragidos, invadiram o local, roubaram dez mil dólares, cinco aparelhos celulares, dois notebooks e assassinaram o casal Cronos e Réia. Não havendo indiciados devido aos autores do crime não terem sido reconhecidos, as investigações continuam no sentido de encontrar os suspeitos.
Quinze dias depois do relatório policial,, ocorre a leitura do testamento no escritório da empresa de advocacia da família.
O escritório da Toledo Advocacia localiza-se na Avenida Rio Branco, número 1. Num dos mais belos prédios da avenida, o escritório fica no último andar, permitindo de suas paredes envidraçadas uma magnífica vista da Baía de Guanabara, do porto e de boa parte do Centro do Rio de Janeiro. A reunião com os herdeiros fora marcada para as 15 horas de um dia de céu deslumbrantemente azul, o que favorecia a vontade de estar em qualquer outro lugar, menos naquela reunião. Foi com esse espírito que Plutão se dirigiu ao endereço.
Plutão chegou faltando dez minutos para hora marcada, ele desejava saber como estava os ânimos de seus irmãos e irmãs. Queria observar-lhes o comportamento a fim de espreitar-lhes a alma. No entanto, todos chegaram logo depois e de maneira leve. O taciturno era ele, apenas.
Às quinze horas uma moça alta e esguia, de expressão discreta, daquele tipo de quem não se consegue adivinhar os pensamentos, convida todos a entrarem no escritório do Senhor Alberto L. Toledo – dono do escritório, advogado com um currículo invejável e com a fama de honesto e vitorioso. Após todos se acomodarem, inicia-se a leitura do testamento. Cronos deixou tudo muito organizado.
As obras sociais constituíram uma empresa filantrópica de organização una e frente tripla, sendo que cada uma das filhas continuou responsável pelo que já havia iniciado. Essa parte foi compreendida como uma continuação de um trabalho já iniciado. Isso foi visto como uma consequência natural.
Dividiu em três partes a empresa de transporte, entregando-a aos filhos. Zeus herda a parte aérea e terrestre da empresa, ficando com o transporte sobre trilhos (metrô e trem) e o aeroviário. Poseidon herda a parte marítima da empresa, ficando com o transporte marítimo de longa distância (mercante) e com o doméstico (cabotagem). Plutão herda a outra parte terrestre da empresa, ficando com o transporte rodoviário e dutoviário.
Os bens pessoais: casas, carros, joias e objetos de arte foram rateados de maneira igualitária, segundo o seu valor de mercado, para as empresas que foram criadas.
Não houve dentre os filhos nenhuma surpresa quanto à divisão e também nenhum descontentamento. A vida segue. Eles, cada vez mais separados. E, no coração de Plutão, um rosto fica marcado.

O Mega empresário
O empresário Plutão Mitos, presidente da Hades, apresentou, nesta sexta-feira (19), mais uma aposta de negócios, a Orcus, em que a Hades está aliada com a Erebos Incorporate, empresa com atuação internacional em negócios de construção de novos modelos de transporte de luxo em mais de 30 países. Cada empresa entra na Erebos com 50% de capital e, de acordo com o CEO da nova empresa, Hipnos Sandler, a previsão de investimentos para os próximos quatro anos é de R$ 500 milhões.

Plutão assumiu a totalidade dos negócios herdados com feracidade. Mergulhou no trabalho de tal forma que a empresa começou a apresentar crescimento invejável aos olhos dos irmãos. Passou a viver na empresa, chegava às oito horas e saía à meia-noite. Almoçava os sandwichs solicitados aos restaurantes próximos. Dia após dia, imbuído da vontade de fazer a empresa crescer e sobrepujar a empresa, que era a principal do grupo na época do pai e que foi herdada por Zeus.
Nesse ritmo, foram consumidos da vida de Plutão seis meses. Nesse tempo ele colocou a Hades na mídia e fez o valor das ações subirem vertiginosamente. Com jogadas de marketing e empreitadas ousadas, como a aliança com a Erebos Incorporate. Agora se vê com a necessidade, a possibilidade e, sobretudo, a vontade de comemorar seus sucessos à frente da empresa. Contrata uma empresa de marketing a fim de verificar a melhor estratégia.
Entre as atividades propostas pela empresa uma festa na mansão por ele herdada. Abrir as portas do imóvel para alta sociedade e para mídia serviria como comemoração, demonstração de poder financeiro e bom gosto. Plutão se pega imaginando sua família, principalmente seus irmãos – o amigo Poseidon e o distante Zeus. Pensa, também, festa é uma boa ideia para relaxar, namorar um pouquinho.
Passam-se quinze dias e chega a noite da festa. Todos os preparativos feitos. Tudo pronto. Dez horas da noite e os convidados começam a chegar. Logo, aponta na porta Poseidon. Um largo sorriso se abre no rosto de Plutão, seu amigo chegou. Desce as escadas para recebê-lo pessoalmente, pois Poseidon, além de irmão, é seu melhor amigo. Cumprimenta o irmão e verifica que está acompanhado de uma linda mulher. Poseidon o apresenta à nova esposa. Logo, fica claro para Plutão que era apenas uma modelo/atriz querendo uma escada para o sucesso. Plutão também percebe que seu irmão tem conhecimento disso e que está se divertindo com a situação.
Mais algum tempo de festa chegam suas irmãs, Hera e Héstia, acompanhadas dos maridos. Lindas, de beleza ímpar, atraem para si os flashes dos jornalistas de plantão na entrada. Pois trazem o glamour ao ambiente esboçado em belos vestidos de alta costura assinados por Alexandre Herchcovitch e Ocimar Versolato. Respondem às perguntas acerca dos projetos da nova empresa de que são sócias, a nova empresa ganha o nome de Olimpiah – gestação de deusas.
Os últimos membros da família chegam. Zeus adentra o salão acompanhado de sua esposa - a bela Deméter e da estonteante Perséfone. Plutão não nutre bons sentimentos por Zeus, mas sua chegada lhe arrancou o fôlego, pois trouxe a sua memória o dia da leitura do testamento, e a mesma emoção em relação à sobrinha lhe toldou a visão. Há mais de seis meses atrás, ficou na dúvida se ela era imprescindível em sua vida. Nesse intervalo de muita labuta chegou a nem lembrar dela. No entanto, ao revê-la suas emoções reacenderam.
Plutão ficou inquieto, sua personalidade fria e calculista foi tomada de assalto por um novo sentimento que ele não entendia e que o atordoava. Plutão se esqueceu de que tinha de ir para o salão principal para fazer o discurso comemorativo. Ficou a observar a bela sobrinha nos seus quinze estupendos anos. Ficou se imaginando ao lado dela sentindo o frescor de sua pele e ouvindo a sua voz. Foi chamado pelo sistema de som.
Discursou para os convidados, lembrando a tristeza da retirada dos seus pais do seio familiar, mas pondo em destaque as conquistas empresariais do grupo. Falou rapidamente sobre o bom desenvolvimento das empresas de Zeus, Poseidon e das atividades sociais encabeçadas pela empresa das irmãs. Desse ponto em diante do discurso, tratou de falar de sua organização empresarial e dos planos para o futuro. O discurso foi um sucesso aplaudido pelos convidados. Em seguida, a atenção se volta para um show pirotécnico e à abertura da pista de dança.
A festa se tornou um rebuliço. Música de excelente qualidade, a pista cheia, e a bebida sendo consumida em grande quantidade. Plutão observa seu sucesso com satisfação. Enxerga, na pista de dança, Perséfone – a sobrinha, e resolve ir dançar com ela. Com duas taças de champagne se aproxima, e trocam os primeiros olhares. Dançam animadamente, uma, duas, três músicas. Até que ele a chama para sentar. Ela aceita.
Ao conversarem, as palavras fluem. Os assuntos se sucedem. Falam como se conhecessem, mas é a primeira vez que a oportunidade é apresentada. Quando a intimidade começa a crescer, Zeus se aproxima, se despede do irmão e leva a filha pelo braço. Plutão fica com uma sensação de vazio, de algo lhe ter sido usurpado. Retira-se para seus aposentos, para ele, a festa acabou.
Dia seguinte no escritório, são lidas as noticias da festa. Todas elas são de elogio. Nenhum incidente ocorreu. Foi de um sucesso irrepreensível.
O crescimento da empresa Hades foi incontestável e a sua maior expressividade nas principais bolsas de valores ratifica o trabalho de Plutão. Ao mesmo tempo, todo esse vigor serviu para encobrir as outras atividades.
Onze horas da noite adentra o escritório Harpia Papoulos. Homem de porte elegante e com mesma aparência dos amigos ricos de Plutão. Harpia adentra dando parabéns a Plutão pela festa bem-sucedida e se desculpando por ter faltado, mas tinha ficado enganchado numa bela mulher. Os dois riram da situação e Plutão contou algumas coisas que não sairam nos noticiários. Após essa introdução animada à conversa, se dirigiu para os assuntos reais que levavam Harpia à presença de Plutão. Ambos precisavam discutir como seriam os trâmites para a recepção de um novo quadro trazido do interior do Chile – uma obra de raro valor.
Plutão e Harpia chegam ao consenso – consenso firmado por Plutão - de que o artefato seria trazido pela rota Caronte. Como ficou conhecida a entrega ao seu homem de confiança em local a combinar diretamente com ele. Caronte informava a quem fosse negociar o preço definido por Plutão, apesar de todos os traficantes apresentarem a Plutão o projeto - as informações da peça a ser trazida – era ele, Caronte, homem de confiança, que finalizava as negociações. Todos tremiam ao ter de estar com ele. Plutão sabia e gostava disso. Sabia que a fama de Caronte garantia que ninguém lhe passasse a perna, e o tratamento que dispensava a Caronte e os régios pagamentos garantiam a sua fidelidade.


Os paparazzi
Perséfone ganhou um colar e brincos de esmeraldas de um admirador secreto. A desconfiança recai sobre Plutão Mitos, segundo a coluna “Babado”, da Revista “Isso me interessa”.
Sem citar nomes, Perséfone diz que ficou muito emocionada ao receber as joias. Somente homens apaixonados e que valorizam a mulher amada têm esse tipo de comportamento. Gostaria de saber quem me enviou as joias, que chamou de preciosidades. A Bela Perséfone manda recado dizendo que gostaria de agradecer pessoalmente.

Plutão leu a revista e toma conhecimento da repercussão em Perséfone de seu presente. Ficou orgulhoso da ideia. Pediu a um joalheiro de sua confiança as joias e que fossem entregues discretamente, garantindo o sigilo. Só porque dancei com a minha sobrinha em minha festa isso não significa que estou interessada nela. Mas, gosto que desconfiem de mim.
Plutão desceu as escadas de sua casa orgulhoso de si mesmo e resolveu se presentear com um belo café da manhã, chega de improvisos. Pegou o carro, decidiu ir dirigindo para o escritório. Usou o trajeto da orla, o dia estava maravilhoso. Resolveu encostar o carro, desabotoou o paletó e caminhou pelo calçadão. Após meia hora, parou para tomar uma água de coco, sentou-se num banco e resolveu observar o mar. Relaxadamente permaneceu em contemplação, até que uma voz o retirou de seus devaneios.
Ele se vira e vê a encantadora sobrinha. Fica maravilhado de encontrá-la. Ela prontamente, utilizando-se da malícia adolescente dos seus quinze anos, agradece pelas joias. Plutão, para se divertir, a questiona. Plutão questiona os motivos que a levam a pensar que seria ele o autor do presente. Ela fica sem graça. Ele, para socorrê-la, confessa. Desse momento em diante, os dois entabulam uma conversa. Demonstram a intimidade de um casal e olhares apaixonados. Plutão se envaidece com a conquista. E o amor que passa a residir em seu coração conscientiza-se de ser correspondido. Combinam um jantar para a noite daquele dia.
Plutão sente o dia se arrastar. Se normalmente para ele estar no escritório era uma adrenalina. Fechar negócios, pensar em novas atividades, escolher obras de artes, tudo isso o animava. Hoje, o dia se arrastava, seus pensamentos tinham uma única personagem, Perséfone.
A noite chega com um prazer indescritível. Ele se arruma no escritório, se vale do quarto executivo montado para seu conforto e, também, para diminuir a necessidade de casa. Banho, roupas, sapatos e tudo que se faz necessário – ele tem à sua disposição. Dessa forma, se arrumou com esmero. Optou por um terno preto, um Armani.
Chegou à casa da sobrinha com uma hora de antecedência. Estava muito ansioso. Mas, a casa de Perséfone também é a residência de Zeus. Como enfrentar o irmão nessa situação singular. Mas, ele deveria ser compreensivo, pois se casou com a irmã, sua irmã Demeter. Com o pensamento envolto nessas questões, ainda ficou um tempo pensando dentro do carro, que agradeceu ter querido sair pela manhã com um carro esporte, um discreto Toyota Celica GT-Four e não ser levado pelo motorista naquele enorme Land Rover LRX. Encheu-se de coragem e desceu do carro. Plutão foi recebido à porta e encaminhado à sala de estar.
Zeus o aguardava com um copo de whisky na mão. Externamente calmo, mas internamente desconfortável com a situação. Nada era evidente, mas tudo indicava o que estava acontecendo. Ele, com ciúmes da filha, não gostava da situação. Mas, seu irmão Plutão se desvencilharia com facilidade de suas acusações, pois não confirmou ter sido ele o presenteador, o admirador secreto. Encontraram-se na praia, têm interesses comuns, serão apenas amigos. Nada em Zeus conseguia fazê-lo acreditar nessa possibilidade.
Zeus e Plutão se cumprimentam. Zeus o parabeniza pela festa. Plutão pergunta como estão os negócios. Uma conversa sem intimidades, na qual ambos estudam as reações do outro. Enfrentam um ao outro com olhares de leões na cova. Perséfone adentra a sala. Lindamente vestida com um simples vestido azul caribenho. A beleza na juventude não necessita de muitos adornos para se mostrar. Perséfone passou o recado de que, como estava aos cuidados do tio, não precisava ter hora para voltar, iriam jantar e depois a uma festa sem hora para acabar. Contrariado, Zeus concorda.
Plutão e Perséfone entram no restaurante ΔFЯΘDITΣ TIS MILΘ, um discreto restaurante grego famoso pelos pratos divinamente preparados e por uma iguaria de ostras ditas afrodisíacas. Mesa reservada no canto, eles adentram o recinto e todos os seguem com os olhos. Veem uma beldade alçada à mídia naquela semana por causa de umas joias e um megaempresário, solteiro e cobiçado. Os paparazzi os fotografaram na entrada, mas, para o conforto de todos, foram barrados na porta. Após o rebuliço inicial, a calma se instalou novamente, todos voltaram suas atenções para seu próprio mundo. Plutão e Perséfone puderam se sentir à vontade para conversarem mais animadamente como na praia.
Perséfone lhe conta como foi ser por quatorze anos filha sem pai conhecido. Apesar de ela ter conhecimento de que Zeus era seu pai, teve de manter o segredo perante seus avôs, Cronos e Réia. Também contou que, diferente das amigas, ela tinha apenas um casal de avós, já que seus pais são irmãos. Plutão percebeu que a menina não tinha problemas com a relação incestuosa dos pais e se encheu de esperanças.
Findado o jantar, seguiram para uma danceteria. Dançaram bastante e lá pelas duas da madrugada se retiraram. Plutão se prepara para levá-la para casa, mas ela solicita um prolongamento da noite. Era sua primeira vez com liberdade de horário, não queria chegar tão cedo. Plutão a leva até a marina e pega o seu iate. Navegam sem destino, apreciando as estrelas e aguardam o amanhecer. Neste momento se beijam. Plutão percebe o quanto à menina se interessou por ele e fica envaidecido, mas tem noção do terreno minado em que está pisando. Decide retornar para terra com o iate e deixá-la em casa. Faria tudo direito.
Ao chegar com Perséfone, Plutão divisa Zeus em pé numa das sacadas da casa. Percebe pelo semblante carregado que o irmão pouco dormiu e que problemas aconteceriam. Caminhou junto a Perséfone para deixá-la na porta, mas esta se abriu primeiro. Um Zeus zangado com olhos de trovão os observava. Mandou que Perséfone fosse para o quarto e comunicou que Plutão não era mais bem-vindo, como se um dia tivesse sido. Perséfone entristecida obedeceu. Plutão, revolvendo seus ódios, partiu.
Entrou no carro e queria gritar de raiva, mas seu temperamento taciturno tomou conta dele. Depois a raiva suavizou-se e lembrou-se da bela noite vivida e o quanto foi correspondido. Ficou feliz e preocupado. Felicidade do amor correspondido, preocupação com a continuação desse amor. Resolveu dormir, o bom de se ter mais idade é o controle emocional e o saber que para tudo se tem solução, ainda mais quando se é muito rico.

O sequestro
Perséfone, filha do empresário do setor de transporte, Zeus Mitos com a sua irmã Demeter Mitos, encontra-se desaparecida. Saiu de casa para a escola e, em algum momento desse trajeto, ela desapareceu porque sua chegada não ocorreu. A escola fica no mesmo bairro.
A menina de quinze anos é a mesma que estava nas páginas dos jornais e revistas por ter ganhado joias maravilhosas de um admirador secreto. À época acreditou-se ser o tio, Plutão Mitos, que a teria presenteado por terem sido vistos dançando na festa de comemoração do sucesso das empresas herdadas por Plutão. Os boatos receberam reforços devido aos dois terem sido vistos jantando no restaurante grego, ΔFЯΘDITΣ TIS MILΘ, e depois numa balada.
No entanto, o sumiço da jovem obriga a polícia a pensar em quem poderia ter feito isso e se realmente foi o tio o autor do presente e do ato. O delegado Hecate acredita que precisa de mais elementos para responder às perguntas formuladas e que as investigações foram iniciadas. Inclusive refutou a possibilidade de o sumiço da jovem ter qualquer ligação com o assassinato dos avós, Cronos e Réia Mitos – os suspeitos encontram-se presos e aguardam julgamento.
Plutão chama ao seu escritório particular na área das docas o seu mais fiel serviçal, ele convoca Caronte logo pela manhã. Às seis da manhã, Caronte chega e encontra o seu patrão esperando-o.  Alinhado como sempre, discreto e calmo como sempre o fora. No entanto, uma certa ansiedade trai seu semblante. Tal emoção é externamente colocada como uma ruga de preocupação no semblante sempre liso. Caronte tenta entender o porquê dessa alteração, sem precisar avaliar muito conclui – esse sequestro tem razões pessoais envolvidas e não somente uma disputa empresarial entre os irmãos.
Caronte sempre soube do envolvimento entre Zeus e Deméter, sabia da filha. Com a morte de Cronos, o único empecilho à felicidade incestuosa do casal, a exposição pública do amor que os unia, se fez atuante. Perséfone é esse amor em carne e osso, paixão e luxúria. E a menina, no frescor da juventude, expunha todas essas emoções na sua beleza. Mas, até ver o seu patrão não tinha entendido o quanto era importante para ele. Não tinha entendido a motivação do sequestro. Mas, sabia que ele somente era chamado para os artigos mais raros e que precisavam ser tratados com o maior esmero, logo, foi muito cuidadoso com a menina.
Plutão se dirige a Caronte inquirindo como ocorreram os eventos do sequestro da menina, se houve testemunhas e se ela está bem. Caronte entregou seu relatório completo, informando que a menina foi colocada na sala especial para obras raras na casa principal. Imaginou que sendo essa sala de acesso exclusivo, mas contando com requinte e vista para o mar, seria um espaço ótimo para a menina por algumas horas até que pudesse estar com ele. A sala foi equipada com frigobar com comidas e bebidas típicas da idade e um micro-ondas para que ela pudesse aquecer o que lhe aprouvesse.
Plutão se despede de Caronte agradecendo pelo serviço prestado e pagando o combinado pelo serviço e uma gorjeta de 30% a mais. Caso precisasse de mais alguma encomenda, entraria em contato.
Dirige-se para o escritório, precisa ter uma rotina normal, receber a noticia do sumiço em meio a testemunhas idôneas. Sabia que pelo encontro com a sobrinha na semana passada e sua relação fria com o irmão poderia ser arrolado como suspeito. Tinha que impedir qualquer um de pensar nessa possibilidade. Pensou nessa saída, nessa forma de obter a menina para si após a conversa com o irmão. No mesmo dia em que deixou a sobrinha em casa pela manhã, no final da tarde Zeus veio procurá-lo em seu escritório. Ameaçou-o de revelar ao mundo as provas de que ele fora o mandante do assassinato dos pais. Não o fizera antes porque a morte deles foi providencial a sua vida, mas aproximação de sua filha o faria rever os conceitos. Discutiram acaloradamente. Ameaças foram trocadas. O ambiente ficou pesado.
Plutão sente sua mente divagar em direções antagônicas a todo momento. Sabe da necessidade de prudência, mas sente a paixão lhe toldar o pensamento e a vontade. Chegou ao escritório e uma das secretárias o notifica do sumiço da sobrinha. Plutão pede que liguem para casa de Zeus e se informe dos acontecimentos. Pede que a ligação seja transferida a ele. É atendido por sua irmã Demeter. Esta chorosa lhe conta que estão muito preocupados, pois Perséfone nunca foi de sumir, isso provavelmente era um sequestro. Mas, como ainda não havia nenhum contato, nenhuma pista a seguir,  nenhuma testemunha, logo, eram obrigados a esperar. Plutão se colocou à disposição para auxiliar no que fosse preciso, mas não iria até a residência deles, pois tinha discutido com Zeus – o temperamento de Zeus não iria permitir uma aproximação nesse momento.
Ao cair da tarde, Plutão disse que preferia continuar a trabalhar de casa. Chegando em casa, deu ordens de dispensa aos seus empregados. Foi banhar-se e arrumou-se com esmero. Estava ansioso, mas tinha que dar um intervalo de pelo menos meia-hora para que os empregados realmente tivessem se recolhido. Desceu ao quarto secreto.
Ao entrar no cômodo amplo com vista para o mar, encontrou uma menina triste e chorosa, assustada. Seu peito se encheu de dor e remorso por tudo que imputou a ela. Mas, se convenceu de que aquilo fora necessário. Perséfone correu para ele e o abraçou. Chorou, um choro convulsivo de todo o medo vivido estourou em seu peito. Plutão a abraçou e deixou que ela esvaziasse o seu core de todas as contrariedades. Mais calma, Perséfone indagou como ele a encontrou e como iria para casa. Plutão a soltou e explicou que ele era seu raptor e que o fizera para poder vê-la, pois Zeus o ameaçou. Ela, meio que surpresa, indignada e orgulhosa, questiona. Profere que bastava ele a procurar e perguntar os seus desejos – ela queria estar com ele. E assim a primeira noite do casal acontece.
Combinam que Plutão a levaria de volta à casa dos pais para dar noticias do seu retorno, que esta fora encontrada após ter sofrido um assalto relâmpago e que estão apaixonados e que ela passaria a morar com Plutão.
Zeus e Demeter ficarão felizes com o retorno da filha até o anúncio da união dela com Plutão. Zeus enfureceu-se e tentou atacar Plutão. Mas Perséfone interpôs-se e impediu o pai de cometer qualquer desatino. Demeter chorou copiosamente a partida da filha, mas esta prometeu, desde que seu pai permitisse, visitá-la sempre.
Perséfone retorna à casa de Plutão, que agora era sua também. Mas, calma e com os pensamentos arrumados, questiona a forma como foi engendrado seu sequestro e quem era aquele homem – taciturno, serio e amedrontador - Caronte. Plutão se vê obrigado a revelar a ela todas as suas atividades na área de interceptação de obras raras e lhe mostra o pequeno acervo. Perséfone se interessa e decide se inteirar de como cada parte da máquina funciona. Ela se coloca a par e à frente desses negócios.

Fim.
Escrito por Simone da Silva Figueiredo

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